28 de jun. de 2011

Tributação de operações com paraísos fiscais


Incentivados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), diversos países passaram a discriminar fiscalmente os pagamentos feitos a pessoas residentes em jurisdições de baixa tributação ou onde há sigilo societário. O objetivo é a correção de distorções no fluxo de capitais internacionais.

Apesar de não integrar a OCDE, o Brasil editou legislação que penaliza pagamentos de rendimentos a pessoas domiciliadas em jurisdições ou dependências em que a tributação é inferior a 20% ou em que há sigilo societário (país de tributação favorecida ou PTF).

Assim, os rendimentos auferidos por residentes em PTFs sujeitam-se ao imposto de renda retido na fonte à alíquota de 25%, em vez da alíquota genérica de 15%. Além disso, os residentes em PTFs não se beneficiam da isenção do ganho de capital decorrente de operações na bolsa e estão sujeitos às regras de preços de transferência e de thin capitalization (investimentos predominantemente de dívida).

Entretanto, o conceito de PTF contém lacunas que tornam a legislação pouco eficaz. Este conceito discrimina um país ou dependência como um todo, sem levar em consideração que há regimes tributários que permitem um fluxo de pagamentos livre de qualquer tributação, sem que a tributação nominal naquela localidade seja inferior a 20%.

Um residente em país caribenho de baixa tributação pode investir no Brasil por meio de uma sociedade de responsabilidade limitada (LLC) criada em Delaware sem que haja qualquer tributação nos Estados Unidos, desde que a LLC não tenha ativos nos EUA e seus sócios sejam não-residentes. O mesmo pode ser dito das BVs holandesas e do participation exemption existente em outros países.

Para fechar essa lacuna, a Lei nº 11.727/08 introduziu o conceito de Regime Fiscal Privilegiado (RFP), que não discrimina uma determinada jurisdição, mas regimes de baixa tributação ou sigilo societário, a exemplo daquele aplicável às LLCs norte-americanas.

A qualificação como RFP deveria causar somente a aplicação das regras de preços de transferência e thin capitalization, e não a aplicação da alíquota majorada de 25%. Entretanto, a redação da Lei nº 11.727/08 deixava certa margem para questionamento.

Além disso, a edição dessa lei seguida pela inércia da Receita Federal fez com que os contribuintes questionassem se a lista de PTFs editada em 2002 era exaustiva ou meramente exemplificativa. Caso a relação apontasse apenas exemplos, a insegurança jurídica seria muito grande.

Diante deste cenário, foi muito importante a edição da Instrução Normativa nº 1.037/10 (IN 1.037), que eliminou grande parte da incerteza quanto à tributação das operações com PTFs e RFPs.

A instrução trouxe listas exaustivas de PTFs e RFPs. Há uma clara separação entre as jurisdições classificadas como PTFs (dentre elas Hong Kong e Cayman Islands) e os RFPs (holdings de Luxemburgo e LLCs norte-americanas cujos membros não residem nos Estados Unidos). Essa separação é importante para confirmar que as consequências aplicáveis em caso de PTF e RFP diferem.

A Receita Federal criou inclusive um mecanismo para que os outros países e jurisdições contestem a lista de PTFs ou RFPs, o qual já foi utilizado pela Suíça e Holanda. Por essa razão, a Suíça está temporariamente fora da lista de PTFs e as holdings holandesas da lista de RFPs, pelo menos até que a Receita julgue as contestações apresentadas por esses países.

Portanto, os contribuintes podem agora afirmar com segurança que as operações com holdings holandesas ou LLCs constituídas em Delaware (bem como com qualquer outro RFP) não estão sujeitas ao imposto de renda retido na fonte à alíquota de 25%, mas sim apenas às regras de preços de transferência e thin capitalization.

Lei assegura compensação de dívida com precatório

Empresas que ganharam recentemente ações contra a União devem começar a enfrentar, agora em larga escala, o chamado encontro de contas previsto na Emenda Constitucional (EC) nº 62, de 2009. A medida, que prevê o abatimento de dívidas fiscais federais de empresas com precatórios a serem emitidos, foi melhor regulamentada pela Lei nº 12.431, sancionada na sexta-feira pela presidente Dilma Rousseff.

A lei, originária da Medida Provisória (MP) nº 517, de 2010, manteve os 15 artigos que tratam de precatórios e estabelecem prazos e procedimentos para essa compensação que, mesmo antes da regulamentação, já era aplicada por juízes de São Paulo, do Distrito Federal e da região Sul.

Na prática, a norma impõe que, após a condenação da União, o magistrado dará 30 dias para a Fazenda Nacional se manifestar em relação a eventuais dívidas do credor ou parcelamentos. O juiz então estabelecerá um prazo de 15 dias para que o credor possa apresentar eventuais impugnações, que só serão admitidas quando for comprovada que a dívida está suspensa, o débito extinto ou que houve erro no cálculo. Depois disso, o magistrado terá dez dias para decidir sobre os valores que poderão ou não ser compensados. Dessa decisão, ainda cabe recurso com o chamado agravo de instrumento, que impede a requisição do precatório até que seja julgado o mérito da discussão.

Segundo o advogado Gustavo Viseu, do Viseu Advogados, membro da Comissão da Dívida Pública da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a norma cria praticamente uma nova fase processual para viabilizar essas compensações e deve arrastar ainda mais o fim dessas ações. Até porque o juiz deverá levar para o processo a discussão sobre outras dívidas das empresas. "O que só interessaria à própria Fazenda" afirma Viseu, lembrando que a lei já nasce ameaçada. "Se a Emenda 62, em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), for declarada inconstitucional, de nada valerá essa regulamentação."

O considerado excesso de prazos trazido pela lei e a possibilidade de trazer outras discussões judiciais ao processo também preocupam a advogada Luiza Perez, da Advocacia Ulisses Jung, que já assessora empresas que estão sofrendo esses encontros de contas. Para ela, essa demora pode inviabilizar a expedição dos precatórios no limite constitucional. O artigo 100 da Constituição prevê que os títulos apresentados até 1º de julho devem ser pagos no ano seguinte. Caso contrário, o precatório a ser emitido não entra na fila do próximo ano e demora ainda mais para ser pago.

Porém, nem todas as empresas deverão achar ruim esse encontro de contas, na opinião de Isabela Bonfá, do Bonfá de Jesus Sociedade de Advogados. "É claro que todas as companhias preferem receber em dinheiro. Mas isso é uma forma de eliminar pendências", diz. Se houver alguma insatisfação, afirma ela, as empresas poderão utilizar da impugnação prevista em lei.

O advogado Renato Nunes, do Nunes & Sawaya Advogados afirma estar preocupado com eventuais lançamentos da Receita Federal durante o levantamento de dívidas. Isso porque as companhias poderão ser obrigadas a abater valores que não devem, que ainda estão em discussão judicial e administrativa. "Se isso for compensado e posteriormente a empresa ganhar a discussão, ela terá que entrar com uma nova contestação para reivindicar valores pagos a maior, que demorará anos para ser analisada", diz.

Para a procuradora da Fazenda Nacional que atua em São Paulo e professora de direito tributário Helena Junqueira, a nova lei, porém, deve dar mais agilidade a esses processos, ao firmar prazos para cada etapa. Segundo ela, desde a edição da emenda os juízes já vinham chamando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para se manifestar, mas não havia limite em lei para que esses casos fossem finalizados. Nos processos em que ela atua, ainda não houve a conversão desses valores para os cofres públicos. "Acredito, no entanto, que essa possibilidade deva trazer um resultado bastante significativo em relação aos débitos em aberto com a União", diz.

Presidente veta artigos da MP 517

A presidente Dilma Rousseff sancionou com vetos a Medida Provisória nº 517. Foi derrubado o artigo que permitia o pagamento de dívidas com o governo usando títulos públicos antigos pelo valor integral, bem maior que o valor de mercado. Essa medida beneficiaria donos de bancos em liquidação judicial.

Esse artigo permitia que moedas podres fossem negociadas com descontos por investidores privados - em um benefício direto aos bancos. Segundo alguns senadores, a regra seria uma medida para salvar banqueiros que enfrentam processos de falência, ligados aos bancos Nacional, Econômico, Mercantil de Pernambuco e Banorte.

A Presidência justificou o veto afirmando que "a proposta ainda favorece os devedores em detrimento da administração pública" porque retira do governo a possibilidade de definir o critério de cálculo menos danoso ao erário para receber garantias do Fundo de Compensação de Variações Salariais.

Outro veto impede que sociedades anônimas, com ativos inferiores a R$ 240 milhões ou receitas brutas anuais inferiores a R$ 500 milhões, publiquem suas demonstrações financeiras na íntegra apenas na internet. Na justificativa, a Presidência diz que "os dispositivos ampliam o limite do valor do faturamento anual para dispensa da publicação da íntegra das demonstrações financeiras e demais atos societários sem apresentar mecanismos que assegurem adequadamente a publicidade e a transparência das informações aos seus acionistas e à sociedade".

Também foi excluído da medida provisória um artigo que revogava a exigência da estimativa de renúncia fiscal para universidades inscritas no Programa Universidade para Todos (Prouni). "A revogação do dispositivo subtrai um mecanismo relevante para a avaliação do impacto dos benefícios fiscais concedidos", argumentou a Presidência.

A MP 517 prevê entre outros assuntos a renovação por mais 25 anos de um encargo que custa cerca de R$ 2 bilhões por ano na conta de luz dos brasileiros, além de incentivo a energia nuclear e incentivo fiscal para bens de informática.

Adriana Aguiar - De São Paulo
Folhapress, de Brasília

Fonte: VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

Cartórios questionam no Supremo decisão do CNJ

Uma disputa entre os cartórios e os incorporadores imobiliários deve chegar em breve ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em assembleia em Camboriú (SC), a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) decidiu entrar com um mandado de segurança contra um procedimento de controle administrativo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que impede a cobrança de múltiplos registros para imóveis parcelados em lotes ou apartamentos.

"Entendemos que o CNJ extrapolou suas funções, ao interferir em um tema de natureza legislativa", diz Francisco Rezende, diretor da Anoreg-BR para a área de registros de imóveis. A ação deverá ser ajuizada pelo advogado Frederico Viegas, de Brasília. A polêmica começou com a lei que instituiu o programa "Minha Casa, Minha Vida" - Lei nº 11.977, de 2009. Antes, não havia uma regra única para todos os Estados sobre a cobrança de registros. A norma mudou o artigo 237-A da Lei nº 6.015, de 1973, e determinou que os registros por parte dos incorporadores "serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes".

Os cartórios do Rio de Janeiro tentaram manter a cobrança de múltiplos registros, alegando que a mudança na lei de 1973 só valeria para os imóveis construídos dentro do programa habitacional do governo. Mas no último dia 20 de março, motivada por um pedido do Sindicato da Indústria da Construção do Rio de Janeiro (Sinduscon-RJ), a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, decidiu que a alteração "trata de norma de direito registral geral, não restrito ao âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida" e recomendou a adoção deste entendimento por todos os tribunais de justiça estaduais.

Em seu voto, a ministra afirma que a lei que criou o programa habitacional trata de diversos temas, indo além da questão do subsídio para a construção de casas populares. "Não se mostra correta a interpretação calcada unicamente no elemento literal", diz Eliana Calmon. "Deve-se interpretar o sistema como um todo e assim evitar contradições, inclusive a maior delas, que vem a agredir o texto constitucional." Segundo a ministra, a intenção da lei estava clara na exposição de motivos encaminhada pelo governo, em que se afirma "o propósito de tornar homogêneo o sistema de cobrança de registros efetuados nas matrículas de empreendimentos imobiliários".

"A cobrança de registros individualizados por imóvel parcelado traz um impacto de 2% a 5% no preço final. Não faz sentido criar este custo para um mercado que já está com preços em elevação em todos os seus insumos e serviços", afirma o presidente do Sinduscon-MG, Luiz Fernando Pires. "É um cálculo absolutamente exagerado. O impacto é da ordem de 0,4%", contesta Rezende.

O valor do registro varia percentualmente conforme o preço do imóvel. Atualmente, um empreendedor pode hipotecar parte de um lançamento para obter financiamento para sua construção, fazendo um registro único, não importando se a propriedade terá uma ou mil unidades autônomas. Se os cartórios conseguirem mudar o entendimento legal, para dar parte do empreendimento em garantia para financiamento, o empreendedor teria que fazer registro lote por lote, ou apartamento por apartamento.

Cesar Felício - De Belo Horizonte




Fonte: VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS