3 de ago. de 2012

Débito tributário pode ser discutido após sua confissão


O Superior Tribunal de Justiça, por meio do acórdão proferido no Recurso Especial 1.124.420/MG (publicado em 14/3/2012), pacificou mais uma questão que atormentava os contribuintes: a impossibilidade de impugnar os débitos tributários administrativa ou judicialmente como requisito para a inclusão em parcelamentos. Nesse caso, o julgamento foi realizado pelo rito dos recursos repetitivos, liquidando qualquer controvérsia porventura existente.

É sabido que a obrigação tributária é proveniente de lei, ou seja, ela é uma imposição do legislador e não uma convenção entre este e o contribuinte. No entanto, os parcelamentos oportunizados pelos entes federados comumente sujeitam o devedor a dois requisitos que extrapolam esse tipo de obrigação, por serem relevantes apenas em âmbito privado: a confissão de dívida e a renúncia sobre eventuais discussões sobre o débito.

No caso analisado pelo STJ, a empresa recorrida, que havia embargado o débito em Execução Fiscal, submeteu-se ao regime previsto na Lei 10.684/2003, que instituiu o Parcelamento Especial (Paes). Assim procedendo, assinou o termo de confissão do saldo devedor, sobrevindo requerimento da Fazenda Nacional para extinção do feito com julgamento de mérito (art. 269, V do CPC). No entanto, o entendimento em primeira instância foi no sentido de extingui-lo sem julgamento de mérito (art. 267, VI e VIII do CPC), o que possibilita o questionamento em outras ocasiões.

A Fazenda Pública recorreu até o STJ, que, com o magistral voto do ministro relator Napoleão Nunes, firmou o entendimento de que “a renúncia sobre os direitos em que se funda a ação que discute débitos incluídos em parcelamento especial (Paes) deve ser expressa”. Continuando a mencionar o ocorrido no caso concreto, destacou acertadamente que “muito embora para a adesão ao Refis a lei imponha a confissão irretratável da dívida (art. 4º, II da Lei 10.684/03), se o parcelamento foi concedido pela administração sem que obedecidos os ditames legais, é defeso ao Judiciário substituir as partes e decretar a renúncia de ofício, uma vez que não são os termos do parcelamento que estão sendo discutidos na vida judicial, mas os aspectos singulares do débito cobrado”.

É ressaltado no voto condutor que a confissão de dívida abarca fatos que legitimam o seu lançamento, ou seja, sua própria existência. Não impede, entretanto, a discussão sobre as alíquotas ou outras matérias que envolvam a situação fática.

E, mesmo que haja confissão quanto à existência do débito nos autos (antes da prolação da sentença, como já sinalizado pelo STJ, em 2011, no julgamento do Recurso Especial 1.220.327/MA), o magistrado não está autorizado, sem a expressa anuência do contribuinte, a extinguir o feito com resolução do mérito. Isso por um motivo simples: acaso o contribuinte opte por excluir seu débito do âmbito do parcelamento, por quaisquer motivos, este passa a ter sua exigibilidade restabelecida, mas com a impossibilidade de rediscussão, violando frontalmente os direitos ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

Portanto, considerando que não são legítimas as restrições quanto à discussão de débitos tributários, pois o parcelamento é apenas uma das causas de suspensão da exigibilidade do crédito fiscal (art. 151, inciso VI do CTN), não devem ser esquecidos os princípios processuais basilares, constitucionalmente previstos, indiferente a ocorrência de confissão, como demonstrou a acertada decisão proferida pelo STJ.


Autor: Por Daniel Santos Prado



A seguir, a decisão.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.420 - MG (2009⁄0030082-5)
 
RELATOR:MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
RECORRENTE:FAZENDA NACIONAL
ADVOGADO:PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECORRIDO:DISTRIBUIDORA DE LEGUMES SOARES LTDA
ADVOGADO:WILSON DOS REIS BALBINO
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. ADESÃO AO PAES. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DE RENÚNCIA. ART. 269, V DO CPC. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DESPROVIDO. RECURSO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-C, DO CPC E DA RES. 8⁄STJ.
1.Inexiste omissão no acórdão impugnado, que apreciou fundamentadamente a controvérsia, apenas encontrando solução diversa daquela pretendida pela parte, o que, como cediço, não caracteriza ofensa ao art. 535, II do CPC.
2.A Lei 10.684⁄2003, no seu art. 4o., inciso II, estabelece como condição para a adesão ao parcelamento a confissão irretratável da dívida; assim, requerido o parcelamento, o contribuinte não poderia continuar discutindo em juízo as parcelas do débito, por faltar-lhe interesse jurídico imediato.
3.É firme a orientação da Primeira Seção desta Corte de que, sem manifestação expressa de renúncia do direito discutido nos autos, é incabível a extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, V do CPC), residindo o ato na esfera de disponibilidade e interesse do autor, não se podendo admiti-la tácita ou presumidamente.
4.Na esfera judicial, a renúncia sobre os direitos em que se funda a ação que discute débitos incluídos em parcelamento especial deve ser expressa, porquanto o preenchimento dos pressupostos para a inclusão da empresa no referido programa é matéria que deve ser verificada pela autoridade administrativa, fora do âmbito judicial. Precedentes: (REsp. 1.086.990⁄SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 17⁄08⁄2009, REsp. 963.420⁄RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 25⁄11⁄2008; AgRg no REsp. 878.140⁄RS, Rel. Min.  LUIZ FUX, DJe 18⁄06⁄2008; REsp. 720.888⁄RS, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe 06⁄11⁄2008; REsp. 1.042.129⁄RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 16⁄06⁄2008; REsp. 1.037.486⁄RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 24⁄04⁄2008).
5.Partindo-se dessas premissas e analisando o caso concreto, a manifestação da executada, concordando com o pedido da Fazenda Pública de extinção do processo com julgamento de mérito, mas fazendo ressalva quanto ao pedido de condenação em honorários, após a sua adesão ao PAES, não se equipara à renúncia expressa sobre o direito em que se funda a ação, mas sem prejudicar que o processo seja extinto, sem exame de mérito (art. 267, V do CPC).
6.Nega-se provimento ao Recurso Especial da Fazenda Pública. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08⁄2008 do STJ.
 
ACÓRDÃO
 
A Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha, Teori Albino Zavascki, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Licenciado o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.
 
Brasília⁄DF, 29 de fevereiro de 2012 (Data do Julgamento)
 
 
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
MINISTRO RELATOR